sexta-feira, 20 de novembro de 2009

MEXEU COM ELE, MEXEU COMIGO!

Há alguns anos atrás, em um quarto de hotel na Suécia, eu assistí um comercial de TV que me marcou profundamente. No vídeo um garoto de cabelos ruivos está sentado na praça da cidade. A uma certa distância, outros garotos aparentemente mais velhos do que ele também aparecem sentados na praça. Mas o garoto está sozinho, ninguém parece querer brincar ou conversar com ele. Um outro grupo de garotos com ares de baderneiros passam por ele e zombam da cor do cabelo dele. Um dos garotos mais velhos que estão sentados na praça observa a cena de longe e parece ter sido afetado pelo comportamento opressor dos outros garotos. Porém ele não diz ou faz nada para ajudar o garoto oprimido. No dia seguinte, o garoto ruivo está sentado no mesmo lugar e os garotos que haviam zombado dele no dia anterior estão prestes a perturbá-lo novamente, mas de repente eles param. Eles percebem que um dos garotos mais velhos sentados no outro lado da praça também está de cabelos ruivos! O nosso pequeno protagonista não vê bem o que acontece e fica surpreso com a repentina mudança de comportamento dos garotos baderneiros mas respira aliviado ao notar que eles lhe deixam em paz. Então ele se volta e percebe que os garotos baderneiros não vão mais lhe oprimir por causa da cor do cabelo pois o outro garoto mais velho havia pintado os próprios cabelos de ruivo mostrando que ele estava do lado do jovem garoto. Assim o garoto mais velho olha pra ele, dá uma tranquilizadora piscada de olhos e o jovem garoto sorri experimentando uma nova sensação de segurança proporcionada por alguém que se importou com ele e resolveu sair em sua defesa...

Eu me emocionei ao ver esse vídeo clip e fiquei muito sensibilizado com a mensagem que ele transmite. E como cristão eu imediatamente relacionei essa mensagem com aquilo que Jesus fez, se juntando aqueles que eram marginalizados, ridicularizados, discriminados e oprimidos. Em certa ocasião, Jesus ficou furioso com o falso moralismo e a hipocrisia religiosa daqueles que se consideravam santos, salvos e eleitos e sentenciou dizendo que muitas prostitutas e pecadores entram no Reino de Deus adiante deles (Mt 21.31). Jesus mesmo foi acusado de ser amigo de publicanos e pecadores (Mt 11.19). E sabe de uma coisa? Jesus nem tchum para os seus acusadores! Eu falo isso pensando que há um grupo de pessoas em nossa sociedade que tem sido vítimas de discriminação e preconceito das quais eu tenho certeza que se Jesus estivesse fisicamente aqui ele estaria do lado delas, conversando, comendo e bebendo com essas pessoas e não desprezando-as para ficar com a “pureza” da piedade religiosa de um certo tipo de cristianismo. Jesus estaria questionando esse tipo de santidade que leva alguns a se sentirem superiores espiritualmente e a olhar para os outros como se os outros fossem menos valiosos, menos parte da criação de Deus, menos queridos por Deus. Como se os outros tivessem menos direito de viver e usufruir da vida em paz. Certamente Jesus estaria do lado daquele que é oprimido e dizendo para os opressores, “mexeu com ele, mexeu comigo!” (o que fizestes a um destes pequeninos, a mim o fizestes” Mt 25.35-43). O grupo de pessoas a que me refiro e que tem sofrido preconceito, abuso e discriminacao é o de pessoas de orientação homossexual.

Existe um vídeo que foi agora há pouco retirado de circulação na Internet, intitulado “TETEU: Viado tem que morrer”. O vídeo inicia com a imagem de um animal, um veado. Uma pessoa pergunta para a criança “O que é isso Mateus na Televisão?”, a criança responde “É um viado”. O adulto diz, “Viado tem que o quê, Mateus?”. A criança responde, “Viado tem de morrer”. Em seguida o adulto mostra a imagem do Bob Esponja (aquele do desenho animado infantil) e fica fazendo a pergunta novamente enquanto outras pessoas encorajam o menino a bater no viado. “Bate no viado, vamos, bate no viado...”

Esse vídeo, além de me causar revolta, me fez lembrar que quando eu era criança eu ouvia muito uma senhora vizinha gritar para o filho dela, “faça tudo, viu? Só não vire bicha. Prefiro um filho ladrão do que ter filho viado.” Infelizmente, por uma ironia do destino o filho dela tornou-se criminoso, ladrão mesmo, e lamentavelmente foi morto como tal. Mas esse é apenas um exemplo entre inúmeros outros em que o preconceito contra homossexuais já é fomentado em casa. Há apenas vinte e cinco anos atrás um jornal de grande circulação na Bahia trazia a mensagem: “Mantenha Salvador limpa, mate uma bicha todo o dia”.

Mas se eu pensava que esse tipo de discurso e atitude eram coisas do passado, recentemente eu fui confrontado com uma experiência chocante. Uma jovem senhora, cristã de classe média e formação universitária, em conversa entre amigos e diante do filho de treze anos dizia que os gays têm que ser exterminados. Eu fiquei estarrecido! E o pior é que a Bíblia ainda foi utilizada para justificar tal comentário. Os meus veementes protestos contra esse tipo de declaração pareceram ser em vão. Fiquei muito triste e revoltado. E assim por conta da minha reação ouvi a pergunta clássica, "Joabe você é gay? Você parece muito incomodado com o que eu falei." Ao que respondi, se eu fosse gay você teria acabado de me matar! E fiquei pensando, e se eu fosse gay? Como eu me sentiria ouvindo isso? Como é que eu me sentiria sendo tratado como se fosse um verme a ser destruído, um câncer a ser extirpado do meio da sociedade? Será que nós perdemos a capacidade de nos colocar no lugar do outro? Será que perdemos a noção do mandamento básico ensinado por Jesus “ama ao teu próximo como a ti mesmo”?

Jesus não disse, ame apenas aqueles que têm a mesma orientação sexual que você tem, ou aqueles que se parecem com você. Eu já vi pessoas homossexuais olhando para mim com os olhos marejados dizendo, você pensa que eu sou homossexual porque eu quero? Um outro amigo homossexual um dia dizia de maneira muito natural que se ele tivesse filhos ele não queria que seus filhos fossem homossexuais para não sofrer como ele sofreu e sofre. Aquela declaração me fez me sentir como se um punhal estivesse sendo enfiado no meu coração. O preconceito, a discriminação e a violência praticadas contra pessoas homossexuais são imensas. E se enquanto ser humano e cristão eu não me revolto contra isso então existe algo profundamente errado comigo.

Eu lembro que anos atrás eu ficava pensando que os homossexuais deveriam lutar e não aceitar os ataques promovidos contra eles em nome da religião. Mas então eu acordei e descobri que isso não é uma luta dos homossexuais apenas. Assim como eu não preciso ser mulher para lutar pelo direito das mulheres, ou negro para lutar pelo direito dos negros, eu não preciso ser homossexual para lutar pelos direitos dos homossexuais. É uma questão de justiça! E justiça é um dos grandes valores do Reino do Deus (1 Jo 2.29). Na verdade quando eu luto pelo direito dos outros eu estou lutando pela humanidade, consequentemente lutando por mim mesmo: “Ama ao teu próximo como a ti mesmo!”.

Para mostrar a importância dessa luta, basta olhar as estatísticas: só no ano passado 190 homossexuais foram assassinados no Brasil. Isso significa que a cada dois dias uma pessoa homossexual é assassinada! E a sociedade parece não se importar com isso. E se pensarmos que a formação homofóbica que muitos pais e famílias estão dando a seus filhos evidentemente que contribuem para no mínimo criar uma insensibilidade quanto a essa questão. E agora que temos um projeto de lei contra a homofobia sendo discutido no congresso nacional, uma série de protestos nada razoável tem surgido (projeto de lei nº 5.003, de 2001, da deputada federal Iara Bernardi). Alguns acusam as comunidades gays de tentar silenciar as igrejas, de tentar destruir a cultura cristã e, pasmem, de tentar implementar uma ditadura homossexual. E assim aparecem os parlamentares evangélicos, alguns dos quais não tem como justificar mesmo a existência política deles, e que no passado sobreviviam de trocar apoio ao governo de plantão por uma concessão de rádio e TV.

Esses ditos políticos agora tentam mobilizar os evangélicos e cristãos em geral contra esse projeto de lei. E o fazem já atacando o projeto como sendo coisa de gay. Eles sabem que um projeto de lei em discussão poderá sofrer inúmeras emendas e alterações. Então se o projeto dá margem a algum tipo de restrição de liberdade de manifestação de pensamento religioso, ele deve ser aperfeiçoado para contemplar isso, porém não completamente rejeitado. Mas a liberdade de pensamento religioso não pode ser ilimitada. Imagine se alguém em nome da liberdade de manifestação de pensamento religioso passasse a pregar na rua, como acontecia no passado, que pessoas de cor negra são amaldiçoadas e destinadas a escravidão? Ou como ocorria no passado de alguem pregar “morte aos judeus pois eles foram responsáveis pela morte de Cristo”? Imagine se em nome da liberdade de expressão do pensamento religioso, algum puritano pietista que acredita que cinema é pecado entrasse no cinema gritando para as pessoas pararem de assistir o filme ou irão todas para o inferno? Hmmm, aqui se aplica também aquele princípio básico de “o direito de um termina onde começa o do outro”. E as denominações religiosas mesmo tendo o direito de exigir dos seus membros determinado padrão de comportamento baseado no que elas acreditam ser mandamento divino, não pode impor esse mesmo padrão a outros que não fazem parte da membresia dela.

As diversas denominações religiosas devem ter o direito de dizer que a prática homossexual é pecado, assim como pode condenar a prática do sexo em geral, dentro e fora, antes e depois do casamento. Assim como algumas defendem que sexo deve ser apenas para procriação e não para o prazer, assim como algumas outras denunciam que usar meios artificiais de contracepcao é pecado, assim como outras ainda defendem que o divórcio é pecado e o recasamento pecado maior ainda, assim como algumas igrejas defendem que dançar é pecado, jogar futebol etc. Então a legislação brasileira deve garantir as denominações religiosas o direito de livre expressão e de decidir para os seus filiados normas de comportamento. Todavia como todo direito, esse direito de expressão não pode ser utilizado para promover a discriminação, o preconceito, a intolerância, a violência e a opressão. Não faz muito tempo alguns líderes religiosos ensinavam que os maridos não deveriam ver a nudez das esposas e que portanto deveriam recorrer aquele famoso buraco no lençol. Esse direito de tratar algumas práticas humanas como sendo pecaminosas não deve ser regido pelo o Estado. Porém o Estado deve garantir o exercício e usufruto da cidadania por pessoas que pensam e vivem de forma diferente.

Há alguns anos atrás políticos evangélicos conseguiram muitos votos com aquela estória que era preciso combater um certo projeto de lei sobre casamento de homossexuais. Primeiro, o projeto de lei de 1995 da então Deputada Federal Marta Suplicy não faz referência nenhuma sobre casamento de homossexuais. Segundo, o projeto trata sobre a regulamentação de união civil de pessoas do mesmo sexo (Projeto de Lei 1.151/95). Ele versa sobre “o direito à herança, sucessão, benefícios previdenciários, seguro saúde conjunto, declaração conjunta do imposto de renda e o direito à nacionalidade no caso de estrangeiros”. Esse é um projeto importante e que deveria ser um direito fundamental de qualquer cidadão que paga impostos e cumpre com suas obrigações perante a sociedade não interessando a orientação sexual dele ou dela. Há muitos casos de pessoas homossexuais que foram execradas e expulsas do convívio familiar, e depois de terem constituído um patrimônio com um parceiro do mesmo sexo, ao morrer, a mesma família que o havia desprezado aparece para tomar os bens que deveriam ficar com o parceiro. O projeto de lei da Marta Suplicy visa então apenas garantir esse direito básico as pessoas que vivem em relações homossexuais estáveis.

E a Bíblia?
A Bíblia enquanto palavra de Deus é promotora de vida e libertação. Porém nas mãos de incautos ela pode se transformar em instrumento de morte e opressão. Não é toa que o apóstolo Pedro diz que “...que os indoutos e inconstantes torcem, como fazem também com as outras Escrituras, para a sua própria condenação” (1 Pe3.16). A Bíblia já foi usada para oprimir e matar. O caso mais recente historicamente em que grupos inteiros foram discriminados com o uso do suporte da Bíblia foi o dos negros. Até há pouco tempo atrás se ensinava nas igrejas e seminários que a formação das grandes civilizações tem a sua origem comum em Noé. Noé tinha três filhos, Sem, Cão e Jafé. E de acordo com essa perspectiva Sem tornou-se o pai das nações semíticas (Israel entre elas), Jafé o ancestral dos Europeus, e Cão do seu filho Caanã tornou-se o pai das nações africanas. Mas o problema é que há um incidente que é parte importante da estória desse patriarca no qual Cão ao ver a nudez do seu pai que estava embriagado (alguns estudiosos dão uma outra conotação a esse "ver" a nudez do pai). Sem e Jafé reverentemente cobriram a nudez do pai. Noé pronuncia uma benção sobre Sem e Jafé e decreta uma maldição sobre o filho de Cão, Canaã. De acordo com a maldição Canaã e sua descendência estariam condenados a servir a Sem e Jafé. Hmmmmm, percebem como daí para justificar a escravidão dos negros era apenas uma questão de lógica? Por muito tempo algumas igrejas ensinaram que o sinal que Caim recebeu de Deus após matar Abel era a negritude e consequentemente os negros viviam sob a maldição dupla, a de Caim e a de Cão. Até os anos de 1970 muitas igrejas mesmo que já não mais separassem os negros dos brancos em suas congregações ainda não ordenavam negros ao ministério. A maior denominação evangélica nos Estados Unidos, a Convenção Batista do Sul, só em 1995 aprovou uma resolução oficialmente “renunciando suas raízes racistas se desculpando por sua defesa da escravidão no passado”.

A jovem senhora cristã que defendia o extermínio dos gays dizia que a Bíblia condenava os homossexuais e que eles não entrariam no reino dos céus. E eu retrucava dizendo, mas essa mesma passagem bíblica diz que aqueles que mentem não entrarão no reino dos céus. E perguntei, você mente? Como ela respondeu que sim, eu disse, então você também não entrará no Reino. E eu ainda perguntei você acredita que a mulher não deve ensinar na igreja? Está na Bíblia, no Novo Testamento (1 Co 14.34,35). Você acredita que a mulher será salva dando luz a filhos? Isso é que o apóstolo Paulo diz em 1 Tm 2.15. E quanto as solteiras que morreram sem ter tido chance de ter filhos, ou aquelas que simplesmente não podem ter filhos? Não são salvas? Eu tive muita dificuldade de ser entendido ao tentar explicar que a própria maneira como a mulher era percebida no contexto da Bíblia, especialmente no Antigo Testamento, era muito diferente da que nós temos hoje.

A mulher não era nem sequer um número! Ou seja, ela não era sequer contada nos censos. A identidade dela era originada do pai ou do marido. Ela era sempre a filha de fulano ou a esposa de beltrano. Enquanto solteira ela era propriedade do pai e quando casava passava a ser propriedade do marido. O adultério ou o sexo antes do casamento praticado por uma mulher era na verdade um crime de dano à propriedade. Se ela perdia a virgindade, ela estava danificando e depreciando a propriedade do pai. Se ela era casada, e mantinha relações sexuais com outro homem, ela estava danificando a propriedade do marido. No Antigo Testamento um homem casado não podia cobiçar a mulher do próximo, pois ela já tinha dono, mas ele mesmo casado podia cobiçar e ter qualquer outra mulher que fosse solteira. Poligamia era parte do contexto da época e não havia nenhum problema um homem casado adquirir mais mulheres para ele mesmo. Porém, esse mesmo direito não existia para as mulheres. Apesar de algumas noções do tempo bíblico terem persistido através dos séculos, as mulheres têm hoje usufruído de uma certa emancipação em muitas partes do mundo e gozam de direitos que seriam impensáveis há apenas algumas décadas atrás. Mas de vez em quando esse monstro que oprime as mulheres aparece e ainda usa argumento bíblico para tal. O apóstolo Paulo tinha em alguns momentos uma visão revolucionária, pois ele chega a dizer que em Cristo não há homem nem mulher, pois todos somos um só (Gl 3.28). Mas ele também diz “A mulher deve aprender em silêncio com toda a submissão. Pois não permito que a mulher ensine nem que tenha domínio sobre o marido, mas que esteja em silêncio” (1 Tm 2.11,12). Hmmmm...

Pessoas que passaram pela experiência dolorosa do divórcio, dependendo do lugar e denominação onde estão ainda sofrem muito preconceito e discriminação. Tudo isso com base na Biblia, ou no que Jesus disse: “Portanto o que Deus uniu não o separe o homem. Qualquer que divorciar sua mulher e casar com outra comete adultério contra ela; e se ela divorciar seu marido e casar com outro, comete adultério” (Mc 10.9,11,12). Mas a maioria da igreja evangélica brasileira parece ter superado isso e avançado no sentido de entender que o divórcio é uma triste realidade e que os divorciados devem ter a chance de refazerem suas vidas e viver novamente a experiência da entrega e do amor se assim o quiserem.

Não podemos esquecer que quando alguns cristãos começaram a se engajar na luta contra a escravidão dos negros e pelo direito das mulheres, eles foram acusados de tentar corromper a mensagem do evangelho, de tentar descaracterizar a ordem natural das coisas, de atentar contra Deus e seus mandamentos. Foram chamados de liberais, agentes do diabo infiltrados no meio do povo de Deus. Hoje o direito dos negros, pelo menos formalmente, é algo entendido como inquestionável, bem como o direito das mulheres, pelo menos em algumas partes do mundo.

Eu sou grato a Deus e a vida pois mesmo vivendo em um contexto de igreja que era repressor e fundamentalista, eu cresci sendo exposto a essa rede complexa de relações entre seres humanos. Cresci ouvindo muitas estórias alegres e também dolorosas da vida real, e as vezes até testemunhando essas experiências. Cresci entre pessoas diferentes, de diversas cores, credos, e sexualidades. Uma das mais marcantes experiências que eu tive quando ainda era criança, foi ver no corredor de um hospital uma menina que era hemafrodita. Ela na inocência dela mostrava os seus orgãos genitais para todos que passavam. Foi ali que eu descobri que Deus não havia criado apenas homem e mulher ou apenas seres humanos heterossexuais. A criação de Deus é muito mais complexa, rica e bela que a nossa limitada compreensão. Nós é que tratamos como feio, errado e desviante aquilo que não reflete a nossa beleza narcisística.

Mas a pergunta que eu gostaria de fazer para encerrar essa “ruminação” é, será que seríamos capazes de pintar nossos cabelos de ruivo para demonstrar solidariedade a quem dela precisa? Será que vamos ter coragem de dizer como Jesus diria, “mexeu com ele, mexeu comigo”? Assim não deve existir eles e nós, mas apenas nós, pois eles somos nós!

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

A UNIVERSIDADE DA PRIVADA: A UNIBAN, A CAVERNA E OS TROGLODITAS

As imagens do incidente que ocorreu na UNIBAN no dia 22 de Outubro ainda me causam revulsão. A estudante Geisy Arruda do primeiro semestre do curso de turismo vai a universidade usando um microvestido rosa. De mal gosto? Depende! Querendo chamar a atenção? Talvez! Convite a ser chamada de prostituta? Nunca! Muito menos ainda um apelo a ser atacada brutalmente por uma massa de estudantes que pareciam ensandecidos pelo que viam e que patrocinaram cenas dignas de grupos primitivos, puritanos e repressores. Quem ainda não viu as imagens deveria procurar assisti-las. As cenas são realmente repugnantes e assustadoras. A estudante acuada em uma sala de aula, e rapazes e moças como que sedentos de sangue tentando encurralá-la ainda mais. Alunos que saíam de suas salas para participar do coro do “joga pedra na Geni”. Ao ver as cenas a primeira associação que fiz foi com imagens de trogloditas saindo das cavernas pronto para atacar aquela que ousou invadir o território deles. É esse o tipo de comportamento e a atitude dos jovens que estão frequentando as nossas universidades? Será que não tiveram uma experiência eficaz do processo de socialização dentro da família, escola e trabalho antes de ingressarem em uma faculdade?

Bom, se o uso do vestido fosse demonstração de mau gosto, e fora do contexto, existem formas sutis e de acordo com as normas de convivência social que ajudam a pessoa rebelde a se adequar. Uma delas é não estimular elogiando, e a outra é ignorar mesmo. Especialmente se o modo de vestir da estudante estivesse ligado ao desejo dela de atrair a atenção dos outros sobre si mesma. Se o vestido estivesse causando algum tipo de desconforto ético, ou estivesse sendo ofensivo moralmente a sensibilidade talibânica de alguns, então o caminho seria uma reclamação à reitoria ou as autoridades competentes dentro da universidade. Porém o que aconteceu foi um irrefreável desejo de se fazer “justiça” com as próprias mãos, como se a estudante Geisy tivesse cometido um crime de dimensões catastróficas e que exigia uma reação punitiva imediata por parte daqueles que testemunharam a ocorrência do crime. Qual foi mesmo o crime? Hum? Ou o erro? Aquela manifestação extrema de intolerância demonstrou que as normas da civilização humana contemporânea parecem não ter chegado dentro dos muros daquela universidade.

Ja’ que a reação de boa parte parte do alunado daquela instituição pode ser assemelhada a de trogloditas eu vou arriscar uma interpretação sociobiopsicologica. Então me acompanhem nessa análise um pouco crua mais que tenta ser objetiva seguindo os critérios científicos que a universidade deveria estar adotando na análise do caso. A jovem estava na verdade, consciente ou inconscientemente, se “mostrando” como viável “reprodutora” (aqui não há nenhuma implicação de que ela estivesse se mostrando para sair com os rapazes, eu estou seguindo apenas uma linha de argumentação da sociobiologia). Bom, os rapazes perceberam a fêmea, mas talvez tenham ficado irritados com o fato de que havia uma luta interna dentro deles mesmos. Os impulsos básicos os empurravam para a garota, mas as normas vigentes na civilização contemporânea rezam que poder ver não é o mesmo que poder ter. Isso pode ser as vezes frustrante! Eles perceberam mas não conseguiram discernir entre seguir seus instintos mais básicos que faziam com que eles dessem atenção aquela aparente provocadora e a de reprimir esses impulsos sendo assim elevados a condição de humanos, de seres sociais que já não tratam outros seres humanos como presas. De qualquer forma eles conseguiram reprimir apenas em parte os instintos básicos, mas terminaram ainda que inconscientemente, agindo como animais. É aquela estória de animal faminto ao ver a presa, ou come ou simplesmente a trucida, ou as duas coisas.

E as moças que também participaram massivamente daquele linchamento? Elas perceberam que alguém estava “invadindo” o território delas ao usar de concorrência desleal. É claro que devem existir mulheres mais bonitas e sensuais naquela universidade que a dita estudante, e consequentemente ainda mais potencialmente viáveis reprodutoras. Mas é que a Geisy estava mostrando o que as outras não estavam, e então ela se sobressaia nesse jogo da seleção natural. Isso explica como as mulheres apareciam com tanta raiva, pois na cadeia evolutiva quem não luta fica para trás, e nao se perpetua reproduzindo. A Geisy com aquele danado vestido rosa desequilibrou o jogo da seleção natural e parecia querer alterar as regras do mesmo. Ela ousou quebrar o “cartel” que estabelecia o mesmo padrão de competição. Talvez o “X” da questão foi que tanto os rapazes quanto as moças que participaram daquele vergonhoso ato de linchamento social não souberam transcender e assim superar seus instintos mais animalescos. Esse palpite sociobiopsicológico pode explicar um pouco daquela reação irracional e o comportamento violento por parte daquele estudantes, mas não justifica em nada essa atitude que deve ser disciplinada no meio da nossa sociedade, especialmente num ambiente acadêmico que se proprõe a ser contexto aberto a livre circulação de idéias.

Quando no dia 08 de novembro o conselho universitário decidiu publicar a punição com pena de expulsão da estudante Geisy Arruda em grandes jornais de circulação, a decisão foi recebida com estupefação em várias partes do Brasil e do mundo. A medida foi depois revogada pela reitoria dada a repercussão do caso e a ameaça da intervenção do MEC. Eu penso que houve uma motivação financeira por trás da decisão, pois seria de menor prejuízo financeiro para a universidade se livrar de uma aluna do que de uma centena de alunos que agiram como rufiões. Mas do ponto de vista ético, as pessoas que tomaram aquela decisão estavam na verdade invertendo os papéis e fazendo da vítima o culpado. Seria o mesmo que dizer que uma moça que se veste com roupas provocantes, ou até mesmo indecentes, está pedindo para ser estuprada! Esse argumento já foi usado usado antes e muitas vezes! Quem não é pervertido, e predisposto a esse tipo de crime hediondo, não vai nunca estuprar, mesmo que aparecesse uma mulher nua diante dele gritando por isso. Mas como é que a UNIBAN decide que a jovem ao vestir o tal vestido e escolher o caminho mais longo pelos corredores ou rampas da universidade provocou ou foi a causadora de toda aquela situação? Será que a universidade conhecendo os alunos que tem sabia que aqueles trogloditas não tinham os meios de controlar aquelas reações vexaminosas? Será que as demais alunas tinham tanta razão de se sentirem “feridas” com aquela visão que iriam certamente reagir aos tapas e que assim fazendo estariam justificadas por conta da roupa e do passeio provocativo da Geisy?

Infelizmente a Uniban demonstrou que não está cumprindo o seu papel de criar o ambiente onde há espaços e oportunidade para a fomentação de convivência social, de tolerância, de saudável divergência, de troca de ideias, de questionamento crítico mas respeitoso, enfim de ajudar no desenvolvimento de cidadãos e cidadãos vivendo juntos em uma sociedade diversa. Quem ver e rever o vídeo, fica com a impressão de que a Uniban enquanto instituição mostrou que nem sequer consegue cumprir seu papel público, mas age como se fosse uma privada. E privada aqui não tem nada a ver com aquilo que é individual ou particular...