segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Resposta as Baixarias Serristas

Compartilho com voces uma mensagem/email de um amigo, tambem reverendo anglicano, sobre esta eleicao. A mensagem e' de um conteudo consistente com uma argumentacao solida e muito inteligente. Nela sao tratadas tanto a questao religiosa como a questao economica. E' um texto que desmonta os argumentos pequenos do pessoal do Serra e da campanha sordida de terror que eles estao promovendo.
Boa leitura e fiquem a vontade para repassar o texto. Ja' temos a permissao do autor o Revd Dr Gustavo Gilson de Oliveira.
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Caro ....,
Não respondi seus e-mails anteriores por respeitar sua posição e considerar que Marina era uma candidata séria e qualificada (embora também considerasse – e continuo considerando – que o PV, apesar da boa bandeira ambiental, é um partido com posições econômicas e sociais indefinidas ou duvidosas, o que para mim é um problema relevante). Todavia, fiquei seriamente aborrecido e também muito preocupado com a visível campanha de difamação e “demonização” que foi disseminada contra Dilma e o PT, especialmente entre os evangélicos e carismáticos. Aborrecido porque minha caixa postal ficou literalmente “abarrotada” de e-mails com acusações baixas, levianas e manipulações irresponsáveis que seriam detestáveis em qualquer campanha e se tornaram piores por serem feitas em nome de Deus e da fé cristã. Preocupado po rque mais uma vez a religião cristã está sendo utilizada como instrumento para se tentar criar um clima de demonização e fobia contra as esquerdas no Brasil e, lamentavelmente, o medo e o pânico são sentimentos tão fortes que passam a justificar qualquer injustiça, estupidez ou barbaridade. Esse mesmo pavor “anti-esquerdista” e “anti-comunista”, é sempre importante lembrar, foi igualmente alimentado entre os cristãos (com sucesso) nas décadas de 1960/70 para justificar e legitimar a perseguição política, o golpe militar e as violações dos direitos humanos no Brasil. O golpe foi antecedido por uma fatídica “Marcha com Deus, pela Família e pela Liberdade” e foi apoiado por e favoreceu as mesmas forças políticas e econômicas (PDS/PFL/DEM, TFP, Globo, Grupo Estado, Grupo Folha etc.) que agora querem se apresentar como defensores da democracia e das liberdades civis no país. Não se trata de afirmar que haja qualquer ameaça de golpe político no Brasil em um horizonte visível, não acredito nisso, mas, de perceber como o medo pode ser e vem sendo manipulado para favorecer certos grupos de poder e projetos de sociedade que se escondem atrás do pavor e da desinformação.

Não sei de onde você concluiu que o texto que me mandou é “centrado”. O texto foi retirado (não sei se você teve o cuidado de verificar) de um site ligado à direita nacionalista radical norte-americana, especializado em teorias da conspiração e repleto de textos de orientação anti-semita, anti-comunista, sobre sociedades e redes secretas e em defesa das milícias civis armadas nos Estados Unidos. As “informações” apresentadas são absolutamente falsas ou totalmente distorcidas. Ao contrário do que é afirmado no texto, por exemplo, a taxa de analfabetismo vem caindo continuamente no Brasil (embora em ritmo bem mais lento do que eu gostaria e do que seria possível) desde o início do século XX. O número absoluto de analfabetos (o que é mais significativo) vem caindo consistentemente desde meados dos a nos de 1980. A taxa de analfabetismo em 2002, quando Lula assumiu o governo, era de 11,8% e chegou a 9,7% em 2009. Conheço bem esses dados, pois sou professor de Sociologia do Desenvolvimento na Universidade (UFRPE), mas, você pode verificá-los nos sites do IBGE (citado levianamente no texto), do INEP, do IPEA, da UNESCO ou de qualquer instituto de pesquisas sério no Brasil. Deve-se destacar que quanto mais a taxa declina mais resistente ela se torna (devido ao contingente de população analfabeta acima da idade escolar) e que o investimento direto em educação básica no Brasil cresceu de 3,3% do PIB em 2001 para 4,0% do PIB em 2009 (o que ainda é obviamente insuficiente, mas, já representou uma melhora em relação ao governo anterior). Deve-se destacar também que houve uma mudança significativa na qualidade e prioridade de destinação do investimento, que passou a atender com maior justiça as regiões norte-nordeste e o interior do país, hist oricamente marginalizados nos investimentos em educação.

No que diz respeito às mortes violentas no Brasil (assunto que eu pesquisei diretamente e tenho trabalhos publicados a respeito), ao contrário do que diz o texto, houve uma redução historicamente inédita (embora ainda pequena) no índice de homicídios no país e nas principais regiões urbanas a partir de 2003 devido, sobretudo, às campanhas e políticas de desarmamento (políticas que os pesquisadores já reivindicavam a muito tempo, que ainda precisam ser aprofundadas e que vão em direção contrária aos ideais do site que você indica). Quanto ao saneamento básico, o acesso foi expandido especialmente para as periferias e as pequenas cidades. Como observa o professor Léo Heller da UFMG: “A média anual de investimentos federais no governo Lula, em rela ção ao PIB, é mais que o dobro da média apurada nos dois mandatos de FHC, com uma tendência crescente nos últimos anos, graças ao PAC. A política do governo FHC para o saneamento foi de contenção dos investimentos para as entidades públicas e de preparação do setor para a privatização, inspirado em modelo do Banco Mundial e pressionado pelo FMI, aposta esta não realizada e modelo que não se mostrou capaz de universalizar o acesso aos serviços nos países pobres” (http://www.ecodebate.com.br/2010/01/25/avancos-no-saneamento-basico-as-armadilhas-dos-numeros-artigo-de-leo-helleri/). Quanto à família da candidata Dilma, é público e notório que o pai dela nunca foi um militante político importante, nem “capitalista rico” e m uito menos considerado “perigoso”. Ele era imigrante e era comunista (assim como Niemeyer, Jorge Amado, Saramago, Neruda etc.), mas, isso não é nenhum crime no Brasil (pelo menos não nos últimos 20 anos). Dilma participou da luta armada contra a ditadura (assim como, em outros contextos, Nelson Madela, Anita e Giuseppe Garibaldi, Simon Bolívar, Che Guevara, Luiz Carlos Prestes, Olga Benário, Carlos Marighela, Simone Weil, Dietrich Bonhoeffer e outros), mas, só quem havia tido a desfaçatez de qualificar-lhe de “assassina” ou “terrorista” (até agora) haviam sido os agentes da própria ditadura. Não vou continuar discutindo as afirmações disparatadas do texto, mas, acho que já foi possível demonstrar que ele não tem absolutamente nada de “centrado”.

Certamente o governo Lula ficou aquém das minhas expectativas em alguns aspectos (embora eu nunca tenha esperado que ele resolvesse todos os problemas do Brasil como um “salvador da pátria”), sobretudo, na medida em que se adaptou às lógicas dominantes da conjuntura política tradicional e deixou de se empenhar seriamente para realizar as reformas estruturais (política, tributária, agrária etc.) necessárias para produzir uma transformação mais consistente e profunda na realidade do país. Apesar disso, há uma diferença qualitativa muito clara e muito importante entre as concepções e prioridades políticas representadas por Dilma (juntamente com Lula e o PT) e aquelas representadas por Serra (juntamente com FHC e PSDB/DEM). Para a perspectiva do grupo representado por Dilma, o principal papel do Estado é pr omover o desenvolvimento de uma sociedade livre, justa e igualitária. A estabilidade, o crescimento e a prosperidade da economia e do mercado são vistos como condições necessárias para proporcionar a melhoria da vida das pessoas. Portanto, o Estado deve buscar garantir a estabilidade e o crescimento da economia, mas, deve também agir e intervir direta e solidamente para assegurar a distribuição de renda, a justiça social e o reconhecimento da dignidade de todas as pessoas. Para a perspectiva do grupo representado por Serra, o principal papel do Estado é garantir a estabilidade da economia e a prosperidade do mercado. É esperado então (por alguns) que o próprio crescimento do mercado venha a proporcionar de alguma forma a melhoria da vida das pessoas. A tarefa do Estado, nessa perspectiva, deve ser a de intervir o mínimo necessário na realidade de modo a manter a ordem social, a permitir a liberdade do mercado e a auxil iar no crescimento das empresas.

É por isso que os principais temas defendidos pelos grupos que apóiam Serra são “cortes nos impostos”, “redução do tamanho do Estado”, “redução dos gastos sociais”, “privatização dos serviços públicos”, “flexibilização dos direitos trabalhistas”, “controle dos movimentos sociais” etc. Não é à toa que os aliados de Serra costumavam chamar o Bolsa Família de “bolsa esmola”, por exemplo, ou que foram contra os investimentos do governo em infraestrutura e programas sociais, especialmente durante a crise econômica (para quem não lembra, vale à pena assistir o vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=Ig9pE6qwzxw). Eles acham que o governo deve reduzir ao mínimo necessário suas atividades, para gastar o mínimo possível, para cobrar menos impostos e deixar que as empresas cresçam mais e tornem a sociedade mais rica. O problema (como nós já vimos muito bem na história do Brasil) é que as empresas estão voltadas para ampliar seus próprios lucros e seu poder e, sem a atuação de um Estado que represente os interesses sociais mais amplos e intervenha diretamente para promover a justiça social, a tendência é que o mercado aumente a concentração de renda e a exclusão social. A grande ironia é que isso também pode acabar prejudicando a própria economia, pois, quando surgem problemas com a exportação e o jogo financeiro, se não houver um mercado interno forte para absorver a produção, a economia entra em crise e as empresas começam a quebrar (embora geralmente os maiores executivos e investidores “pulem do barco” antes, levando seus lucros). Por isso o Brasil se saiu tão bem durante a crise econômica, porque o mercado interno brasileiro estava fortalecido e os investimentos locais sustentaram o crescimento, ao contrário do que defendiam Serra e seus aliados (mais uma vez eu sugiro que relembrem o vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=Ig9pE6qwzxw). Mas, a ganância e a arrogância de grande parte da elite econômica e dos empresários fazem com que muitos continuem defendendo a prioridade de seu lucro e de seu status político sobre as demandas da maioria da população.

Para muito além de simplesmente manter a estabilidade da economia e o controle da inflação, desse modo, o governo Lula desenvolveu um conjunto de programas inéditos e realizou investimentos pesados no combate a fome, na redistribuição de renda, na promoção da escolarização, na ampliação do número de vagas e interiorização da educação profissional e superior, na geração de empregos, no reconhecimento da dignidade e dos direitos de mulheres, negros, indígenas e inclusive de homossexuais, e também na ampliação do mercado externo e do peso político do Brasil nas decisões internacionais. Esses programas e ações certamente não foram perfeitos, mas, foram capazes promover uma queda sem precedentes, de 43%, nos índices de pobreza no Brasil (o que é reconhecido por todos as instituiçõe s de pesquisa e organismos internacionais). A renda média mensal do trabalhador brasileiro (a qual não depende dos programas de transferência de renda) declinou cerca de 18% no governo FHC e cresceu cerca de 20% no governo Lula (chegando a crescer 7,3% ao ano no Nordeste entre 2003 e 2008). Diante de tudo o que foi exposto, apesar de algumas críticas e frustrações, continuo me identificando fortemente com a perspectiva política de Dilma, de Lula e do PT. Votei em Dilma no 1º turno, pretendo votar novamente no 2º turno, e peço a todos que levem esses fatos seriamente em consideração antes de decidirem em quem vão votar no próximo dia 31 de outubro.

Com muita Fé e Esperança,

Rev. Dr. Gustavo Gilson Sousa de Oliveira
Pastor da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil
Professor de Sociologia da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE)

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